Tinham-se passado trinta e dois anos desde que deixara aquele país. Agora, visita a cidade onde nasceu, como se reatasse um qualquer cordão umbilical que a ligasse a uma pátria, que lhe concedesse, finalmente, um sentido de pertença.
O bairro residencial, orlado de vivendas, onde residira, dificilmente pode ser considerado ainda o mesmo. O alcatrão da estrada já pouco mais é do que uma recordação, as paredes das casas exibem as suas cicatrizes de guerra e a vegetação, por todo o lado, reclama a sua soberania.
Chegada à rua onde morara, Maria procura o número 604. Reconhece a parede com fragmentos de ardósia, da varanda onde brincava. O jardim está entregue ao matagal e a algumas galinhas que ali procuram sustento. Entra e verifica a porta da frente, que está fechada. Dá a volta à casa até às traseiras, sobe as escadas em caracol e tenta a sua sorte na porta da cozinha. À força de empurrões, acaba por ceder, num queixume chiado. Maria prepara-se para transpor o portal da casa e do tempo.
Atravessa a cozinha, entra na sala e pára um momento. Os caixilhos das janelas foram esventrados dos respectivos vidros, as paredes acumulam camadas negras, como as árvores os anéis, e o chão está coberto de lixo e excrementos de animais. Nos quartos, o cenário é o mesmo. O cheiro dos detritos, intensificado pelo calor, obriga-a a sair.
Já cá fora, Maria olha novamente a casa onde vivera os primeiros sete anos da sua vida; olha-a demoradamente, confirmando a impressão que tivera assim que entrara nela: a de que aquelas paredes não guardavam nenhuma memória, apenas testemunhavam desastres. Em nenhum canto daquela casa, daquela rua, daquele bairro, daquela cidade, daquele país, poderia ela encontrar qualquer presença de si mesma. Ela era, descobrira por fim, uma alma portátil, sem raízes em lugar algum.
O bairro residencial, orlado de vivendas, onde residira, dificilmente pode ser considerado ainda o mesmo. O alcatrão da estrada já pouco mais é do que uma recordação, as paredes das casas exibem as suas cicatrizes de guerra e a vegetação, por todo o lado, reclama a sua soberania.
Chegada à rua onde morara, Maria procura o número 604. Reconhece a parede com fragmentos de ardósia, da varanda onde brincava. O jardim está entregue ao matagal e a algumas galinhas que ali procuram sustento. Entra e verifica a porta da frente, que está fechada. Dá a volta à casa até às traseiras, sobe as escadas em caracol e tenta a sua sorte na porta da cozinha. À força de empurrões, acaba por ceder, num queixume chiado. Maria prepara-se para transpor o portal da casa e do tempo.
Atravessa a cozinha, entra na sala e pára um momento. Os caixilhos das janelas foram esventrados dos respectivos vidros, as paredes acumulam camadas negras, como as árvores os anéis, e o chão está coberto de lixo e excrementos de animais. Nos quartos, o cenário é o mesmo. O cheiro dos detritos, intensificado pelo calor, obriga-a a sair.
Já cá fora, Maria olha novamente a casa onde vivera os primeiros sete anos da sua vida; olha-a demoradamente, confirmando a impressão que tivera assim que entrara nela: a de que aquelas paredes não guardavam nenhuma memória, apenas testemunhavam desastres. Em nenhum canto daquela casa, daquela rua, daquele bairro, daquela cidade, daquele país, poderia ela encontrar qualquer presença de si mesma. Ela era, descobrira por fim, uma alma portátil, sem raízes em lugar algum.
2 comentários:
Escreves Maravilhosamente Maria.
Me perco em suas linhas (com todo o respeito) e volto mais leve da leitura. Tens um dom Divino.
Ah, adicionei o link do seu blog ao meu, qualquer problema me avise.
Opus
Nenhum problema, Opus.
Obrigada pelas tuas palavras! :)
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