segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

O fim (a partir de uma citação* de "O Senhor Calvino", de Gonçalo M. Tavares)

Foto: \/, originally uploaded by fabbio

Calvino chegara à esquina da rua Sevignon para descobrir, com espanto, que afinal aquela não era a morada do infinito, mas a do seu contrário.
A cidade terminava ali, para começar a repetir-se, simetricamente, do outro lado. A pergunta que pairava no cérebro intrigado de Calvino era se, ao atravessar a rua, se tornaria o senhor Onivlac.
Ponderou largamente sobre as implicações de tal descoberta e decidiu que a satisfação da curiosidade filosófica justificava bem os possíveis riscos.
Cruzou, pois, para o lado de lá e ficou, por breves momentos, à espera. Seguidamente, dirigiu-se ao café onde costumava sacudir, com ingestões de cafeína, o torpor matutino, expectante em relação ao que encontraria. Não foi sem algum desapontamento que verificou que a única diferença entre os dois Cafés era que naquele segurava a chávena com a mão esquerda e que todas as coisas, exactamente as mesmas, se encontravam ali numa disposição simétrica.
Calvino continuou a sua expedição pela cidade do lado de lá, apenas para descobrir que, à parte a simetria, nada mais distinguia os dois lados da esquina da rua Sevignon.
De regresso a casa, operando já com a habitual dextralidade, Calvino afundou-se na sua poltrona, esmagado pela devastadora descoberta que acabara de efectuar. No fim do mundo não se encontra, nem o infinito, nem o fim, mas tão só a sua exacta (ainda que simétrica) reprodução.
P
* «Havia encontrado o que tantos procuravam: o infinito. Apontou a morada no seu bloco de notas. Ficava no final da Rua Sevignon»

2 comentários:

António_Pinto_de_Mesquita disse...

Boas
Cada coisa que leio me fascina mais.
Obrigado

papel químico disse...

os espelhos da mente também mentem : )