quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Constantino

Foto: Rocky Moorland, originally uploaded by Jon Stead
P
Constantino aconchegou-se dentro do capote enquanto galgava penedos, com pernas tão seguras como as de uma cabra montesa. Levava a tiracolo a saca com o naco de broa e o chouriço, para lhe animar o corpo quando as milhas já fossem muitas. Tinha partido antes de o sol deixar o lado de lá da Terra, em busca de Jaime.
O seu filho fora para o monte com as cabras; estas voltaram, ele não. Lá no fundo do peito, Constantino sempre soubera que, mais dia, menos dia, isto havia de acontecer. Na boca de Jaime, as perguntas germinavam ainda mais que as urzes nos montes e nos seus olhos, adivinhava-se o outro lado do horizonte. Qualquer homem feito sabe que quando os olhos se fitam numa coisa, a alma acaba por ir atrás.
Constantino seguiu o sol até ao ponto onde se pôs, mais por obrigação paterna do que pela esperança de encontrar o Jaime. Para lá dos picos, as mulheres têm outro linguajar e um negro olhar que não mais larga quem o contempla. Aqueles montes só tinham espaço para Jaime crescer até se enrijecer a barba. Agora que os seus queixos arranhavam ao toque, Jaime teria de ir para outro lugar. Não era o primeiro a passar a fronteira, mas seria certamente dos últimos; aquela terra já poucos filhos tinha para dar.

3 comentários:

Unknown disse...

Este lembrou-me o "Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos" do Alves Redol. Foi de propósito?

maria pragana disse...

Yeap! :)

Anónimo disse...

guardador de vacas, bois e vitelinhos :)