Verónica, dezasseis anos feitos, queria saber o que era o amor. Proclamava-o na cor dos seus lábios, no sublinhar dos olhos, no cingir da roupa ao corpo. Ritmava o seu desejo com o balançar das ancas.
Aos homens da vila não lhes tinham escapado os sinais, mas Verónica era a filha do Presidente da Junta, o que lhes resfriava os ânimos. Retribuído com a distância, o corpo de Verónica cada vez gritava mais alto. Até que chegou um dia em que a cama da rapariga amanheceu fria e intacta.
Familiares, vizinhos, todos acorreram a auxiliar na busca, mas o único rasto que encontraram, foi o seu guarda-chuva escarlate largado na neve, junto a pegadas de animal quadrúpede. Verónica nunca regressou, mas em certas noites, quando a lua parece prenha, vêem-se reflexos vermelhos vindos das entranhas do bosque.
Foto: umbrella, originally uploaded by mivella
Naquele dia em que, em vão, todos procuraram Verónica, Armindo tinha-se deixado ficar para trás. As suas mãos, tão gulosas quanto os seus olhos, queriam ter o guarda-chuva só para elas. Quantas vezes, desde a porta do café, bagaço na mão, não tinha ele visto Verónica passar, rodopiando o guarda-chuva como rodopiava as ancas? Armindo pegou no guarda-chuva encarnado e encostou o punho ao nariz. Reconheceu o perfume indiscreto da rapariga, tantas vezes alojado nas suas narinas à passagem dela. Desde então, a mata tornou-se o local de romaria de Armindo. Sempre que a lua estava cheia, passeava por lá, com uma candeia numa mão e o guarda-chuva noutra, como um fosforescente cogumelo escarlate.
Foto: une porte rouge, originally uploaded by Bernat_83
Naquele dia em que, em vão, todos procuraram Verónica, Armindo tinha-se deixado ficar para trás. As suas mãos, tão gulosas quanto os seus olhos, queriam ter o guarda-chuva só para elas. Quantas vezes, desde a porta do café, bagaço na mão, não tinha ele visto Verónica passar, rodopiando o guarda-chuva como rodopiava as ancas? Armindo pegou no guarda-chuva encarnado e encostou o punho ao nariz. Reconheceu o perfume indiscreto da rapariga, tantas vezes alojado nas suas narinas à passagem dela. Desde então, a mata tornou-se o local de romaria de Armindo. Sempre que a lua estava cheia, passeava por lá, com uma candeia numa mão e o guarda-chuva noutra, como um fosforescente cogumelo escarlate.
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O tempo foi passando, mas a imagem de Verónica na memória de Armindo, não. Na vila especulava-se sobre o destino da rapariga mas, apesar das díspares e mais inverosímeis versões, o fim a todas era comum: tinha-se, por certo, desgraçado.
A Armindo pouco ou nada importava que Verónica se tivesse desvirtuado, no bosque ou noutro lugar qualquer, com cristão ou besta: esperaria sempre por ela. Emancipada, pela fuga, do apelido paterno, Verónica era agora uma mulher, apenas uma mulher, toda uma mulher. E Armindo era um homem. E era para lhe dar conta da sua espera, se um dia Verónica voltasse, que Armindo pintara a sua porta de vermelho.
Mas a porta não era o único pormenor vermelho que Armindo introduzira no seu quotidiano: a flor, de um vermelho carnudo, que nunca faltava na jarra da sua mesa-de-cabeceira, o lenço de assoar, impregnado do mesmo perfume que Verónica usava, e outros detalhes, mais íntimos. Pela cor e pelo cheiro iludia Armindo a ausência da rapariga, agora mulher.
Os anos, contudo, nunca se apiedaram da espera de Armindo, e o regresso de Verónica nunca aconteceu.
Armindo morreu virgem e tem, a velar a sua campa, uma luz vermelha que, ninguém sabe como, nunca se apaga.
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