quinta-feira, 15 de março de 2007

Foto: hand, originally uploaded by djamesm

António fechava a mão, abria-a, e olhava-a, talvez na esperança de que o que lhe tinham dito que estava escrito nas linhas da palma da mão se baralhasse, oferecendo-lhe outro destino, mas as dobras que trazia já desde a barriga da mãe, não se alteravam. Considerava-se céptico em relação a todas essas patranhas das bruxas, dos feitiços e das sinas, mas o encontro com aquela mulher tinha abalado profundamente as suas convicções. Visto que a ela não lhe eram estranhos os mais íntimos pormenores do seu passado, porque haveria de escapar-lhe o seu futuro?

Já há mais de uma hora que a mulher o tinha deixado entregue às revelações que lhe fizera, ali, naquela esplanada de uma praça espanhola, onde crianças corriam atrás das pombas, jovens com as cabeças cheias de rastas se reuniam em volta de um batuque monótono e reformados gastavam as horas que todos os dias lhes sobejavam.

António fixava a palma da mão, completamente analfabeto em relação aos seus mistérios, com um nó na garganta, um aperto nas têmporas e o estômago em desbaratinada revolução. Como podia ser, como? Como poderia ele fazer a monstruosidade que a sua mão adivinhara antes mesmo daquela se lhe ter insinuado na vontade? Tinha feito centenas de kilómetros até chegar a Madrid, como um sonâmbulo, guiado não sabia por que instinto. Sim, isso era verdade. Tinha guardado na mala do carro a espingarda de que se munia nas suas caçadas, isso também era certo. E não havia dúvida de que se sentara na esplanada em frente ao hotel onde se tinha hospedado a sua mulher com uma companhia que não a sua. Mas como poderia ele levar a cabo o acto que prognosticara aquela mulher?

Convencido de que a sua mão lhe ditava o destino, António decidiu tomar o futuro em suas próprias mãos. Acabou a cerveja, entretanto morna, partiu a garrafa na beira da mesa de ferro e, com o bocado que segurava na mão direita, interrompeu as linhas da esquerda. Deixou dinheiro para a cerveja e para a gorjeta ao pé do copo, levantou-se, mergulhou a mão na fonte da praça durante uns minutos, tingindo a água de vermelho e, atando o lenço em volta, meteu-se no carro rumo a casa, feliz por recuperar o cepticismo com que sempre encarara as videntes.

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