Ele ali está, sentado na mesa do canto, omnividente. Peço um café e uma nata para levar, tentando subtrair-me rapidamente à sua atenção. Já não suporto aqueles olhos enormes a quererem que eu caiba neles. No outro dia mandou-me pelo empregado um daqueles guardanapos que dizem "obrigado pela sua visita". Que patético!
Fica para ali sentado, todas as tardes, à espera, com certeza, de poder ver-me no intervalo do lanche, quando deixo as cabeças em transição do moreno para o loiro ou do encaracolado para o liso, numa busca barata de uma nova identidade. Qualquer dia é bem capaz de seguir-me ao sair do salão e de forçar a entrada no meu prédio, ou então de passar a espiar-me, escondido atrás dos carros, esperando ver-me passar lá em cima através da transparência das cortinas.
Volto apressada para as senhoras em fila às portas do fim de semana, desejosas de agradar a maridos que nunca dão por elas ou de captar a atenção de algum divorciado na avenida, tão necessitado de companhia quanto elas. A minha missão é proporcionar-lhes a beleza escolhida nas revistas cor de rosa, como se os penteados fossem meio caminho andado para as vidas dos famosos; mal sabem elas que também as celebridades dormem em quartos escuros de casas demasiado grandes. Mas à sexta-feira acreditam sempre e eu pactuo com o seu acto de fé.
À hora de fechar, sigo, despenteada e descrente, para o meu apartamento. Meto uma refeição pré-cozinhada no micro-ondas e mastigo-a na companhia dos apresentadores de tv. Antes de deitar-me, espreito pela janela, não vá o tarado do café estar lá em baixo e eu ter vontade de chamá-lo, para aplacar o meu vazio e recompensar-lhe a dedicação, àquele filho da mãe a quem todas as noites, na intimidade do meu quarto, deixo que me coma com os olhos, saciando por fim a fome de ambos.
sábado, 25 de outubro de 2008
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1 comentário:
gustei dler
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