quarta-feira, 12 de setembro de 2007

«Vegetable Dinner», de Peter Blume

Não, o olhar dela não queria saber dos dedos que descascavam batatas: tinha-se deslocado, irremediavelmente, de toda e qualquer parte do corpo dele. Não lhe interessavam os seus movimentos, as suas idas e vindas, as suas formas, as suas sensibilidades. De resto, o alheamento do olhar dela comungava do desinteresse do resto dos seus orgãos perante aquela massa que ocupava pedaços do seu espaço doméstico, ora na sala, em frente ao fogo moribundo, ora na cozinha, no lugar da mesa oposto ao seu, ora na casa de banho, tapando os azulejos desmaiados, ora na cama, onde se avolumava para além do limite do suportável.
O seu cigarro ocupava-lhe a boca, as mãos, o pensamento, esgotava-lhe os desejos. Sorvia o objecto do seu interesse, sentia-o descer pelo interior do seu corpo, habitando-o plena e pacificamente. Sim, concentrava a sua vontade e atenção no pequeno cilindro de papel e isso bastava-lhe.

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