segunda-feira, 7 de maio de 2007

Os Pais do Mané

Augusto Manuel, homem apreciador das coisas boas da vida, que para ele eram um bom copo e um bom rabo, olhava com desgosto o seu filho mais velho, Eduardo Mané. O rapaz, desde que vira um bailado na dois, andava-lhe aos rodopios saltitantes pela casa.
Guto, como era familiarmente conhecido, para tentar inverter os estragos, arrastara o rapaz por tascas, onde vozes roufenhas cantavam fados malandros, enchendo-lhe generosamente o copo e fisgando, pelo canto do olho, a fêmea de serviço encostada à parede em frente da tasca. Por mais que enfiasse notas nos decotes das experientes mulheres da vida, por mais que procurasse variar a oferta, com novas e velhas, gordas e magras, loiras e morenas, à pergunta de “Então, então, o rapaz?”, seguia-se invariavelmente um encolher de ombros e um sorrisinho malicioso.
A coisa já começava a ser comentada no bairro, valendo ao primogénito o expressivo diminutivo de Dudu. Guto, a quem as sovas na mulher começavam a não bastar para lhe acalmar os ânimos, tomou então uma medida drástica: alistou o Dudu na marinha. Se lá não fizessem dele um homem, em mais nenhum sítio o fariam.
Usando uma das duas únicas técnicas persuasivas que conhecia, o afogar resistências em tinto (a outra reserva-a para a mulher, de físico menos desenvolvido que o dele), enfiou o rapaz num navio, numa madrugada de Dezembro, dias antes do Natal.
Durante o tempo em que o filho andou no mar, ao Guto Mané arrebitaram-se-lhe as pontas dos bigodes, entre outras coisas e o seu dinheiro, ganho a engraxar sapatos à porta do Ministério da Justiça, foi dado como bem empregue nos balcões de mármore das tascas e por entre as mamas das mulheres da rua.
A felicidade acabou-se quando o navio em que embarcara o Eduardo Mané, atracou no cais, um mês depois. O filho, tostado pelo sol, lá isso não se podia negar, regressara com mais um apodo na bagagem, o qual resumia bem a sua curta carreira na marinha: Dudu do Tutu.
Desde essa altura, os bigodes do Guto murcharam tanto que até a Eugénia, o saco de boxe com quem casara, sentiu qualquer coisa próxima da simpatia por ele. Eugénia, como tantas outras esposas, depois que o marido baixou os braços, rendido, tomou o caso entre mãos. Ligou ao irmão, de quem o rapaz herdara o nome e, pelos vistos, mais qualquer coisinha, pedindo-lhe ajuda.
O tio Eduardo, de costumes duvidosos e coração ansioso por reparar os danos que causara na família, acudiu a casa da Eugénia, num dia em que estava de folga no Cabaré. Dudu, ao ver, pela primeira vez na vida, o tio materno, simpatizou imediatamente com ele. Que modos delicados, os dele! Nada abrutalhados, como os do pai. E que cútis tão cuidada!
Não foi preciso insistir com o rapaz para que fosse viver com o tio e tentar a sua sorte como performer – termo com que o tio se designava a si mesmo, talvez para desviar a atenção das plumas e lantejoulas que usava no palco.
Assim que transpôs a porta do Cabaré onde trabalhava miss Fournier, nome artístico do tio, Dudu soube que tinha encontrado o seu lugar. O rapaz tinha boa voz, corpo delgado, como o da mãe e, no que dizia respeito a movimentar-se, mais graça do que a mais graciosa das mulheres, e não tardou a criar fama na noite da capital. Chegou mesmo, num espectáculo de variedades, a aparecer na televisão. Que mais poderia ele desejar?
Eugénia não o voltou a ver desde a vez em que passou na tv e guardou um secreto orgulho pelo filho, tão dotado para a vida artística. Quanto ao Guto Mané, o episódio com a marinha desmoralizou-o permanentemente da cintura para baixo, motivo pelo qual, depois das noitadas, já não lhe sobrava genica para as fêmeas nem para o exercício de bater na mulher. Dudu, esse, descobriu que por trás de um desajeitado homem se esconde, por vezes, uma esplêndida mulher.

2 comentários:

TG disse...

Belo texto Maria!
Suavidade em um assunto fugaz.
Parabéns. (E o escreveu bem no dia de meu aniversário :o)

Opus
www.opusliterarium.blogspot.com

Anónimo disse...

Só hoje vi o teu comentário (estive alguns dias descoNETada).
Este texto foi uma pequena brincadeira à volta da biografia do pintor Manet. :-D

Atrasados, mas sinceros, os meus PARABÉNS!