Três da manhã. As rabanadas tinham-lhe caído mal. O brandy, o irish e a ginjinha não ajudaram. Cambaleia até à casa de banho e mal tem tempo de chegar à sanita para expulsar tudo o que não traz agarrado às entranhas.
Da casa de banho, segue para a cozinha. Água das Pedras a rodos pela goela abaixo. Melhor.
Na peregrinação pela casa, toca a vez ao escritório, o local do seu calvário. Senta-se em frente ao computador mudo e negro. Liga-o. Quer vomitar palavras azedas no monitor. Bater em cada tecla, em cada inicial dos nomes que detesta até à náusea. Enche páginas de ágrio desdém até se sentir aliviado. Arrota.
No tecto que os seus olhos fitam, começa a desenhar-se a silhueta que se lhe tinha esparramado na vista na noite anterior. As pernas da cunhada. O rabo da cunhada. O decote da cunhada. Através do decote, as mamas da cunhada.
Os dedos agora gulosos, babam, trémulos, toda a extensão do teclado. No disco duro, um tropel de infantilidades de cariz porno-sentimental.
Recosta-se na cadeira e fecha os olhos, abrindo descaradamente a imaginação. “E se tivesse o poder de fazer acontecer o que desejo? E se os acontecimentos tivessem lugar ao mesmo tempo que os escrevo?”. Com as hormonas a latejarem-lhe em todos os pontos sensíveis, começa, desvairadamente, a desenhar no portátil o mapa dos seus desejos.
Inicia no momento em que a cunhada se debruçou sobre ele para servir-se de mais bacalhau com grelos e ele lhe sentiu o cheiro a suor misturado com o perfume. Faz com que ela se sirva de uma dose extra, gozando o odor de cada um dos seus poros. Enche-lhe mais vezes o copo de vinho, para fazê-la esvaziá-lo em seguida. Aproveita para encher também o copo da irmã da cunhada, porque sabe que ela não aguenta o álcool. Atolada em tinto, a mulher não consegue dar nem mais um passo e tem de ficar a passar a noite em casa dos pais. A cunhada tem mais resistência e pode levá-la a casa. Entra. Entra no apartamento, entra na sala, entra no quarto, entra na cama, entra na cunhada.
Sai do escritório directamente para a casa de banho, agarrando o meio das pernas. Abafa a custo um prazenteiro “aaahh!”. Lava as mãos, apaga a luz e deita-se escrupulosamente do seu lado da cama.
Não sabe quantas horas dormiu. A mulher já se levantou. Tenta erguer-se, mas não consegue. Tenta alcançar o relógio para ver as horas, mas o seu esforço é em vão. Verifica, petrificado, que o controlo sobre o seu corpo se encontra circunscrito à sua cabeça. Daí para baixo é tudo um bando de membros insurrectos. Aperta os olhos com força. Fica assim uns bons momentos. Abre-os. Nova tentativa de movimento - gorada. “Porra!”.
Sente o suor frio que lhe brota das raízes dos cabelos. O tempo passa, zombeteiro, sem que nada aconteça.
“Estás acordado?”. Sem esperar pela resposta óbvia, a mulher atira nova pergunta, no mesmo tom distraído: “Queres alguma coisa?”. “Quero!”, grunhe ele, desesperado, “Quero sair daqui!”. “Ah!...”, é a lacónica resposta dela.
A mulher continua no seu vai-vem pelo quarto. Abre e fecha portas. Abre e fecha gavetas. Anda. Pára. Volta a andar. Mexe-se, desenvolta. O homem não aguenta mais. Grita! Uiva! Urra!
“Queres que te leia alguma coisa?”. O homem não consegue identificar a emoção que espreita por trás destas palavras. A mulher sai do quarto por um minuto e retorna com o portátil dele na mão. “Queres ouvir?”. Sem esperar pela resposta do homem, ela começa a ler.
…no momento em que a irmã se debruçou sobre ele para se servir de mais bacalhau com grelos, sentiu-lhe o cheiro a suor misturado com o perfume. Fez com que ela se servisse de uma dose extra, gozando o odor de cada um dos seus poros. Encheu-lhe mais vezes o copo de vinho, para fazê-la esvaziá-lo em seguida, porque sabia que ela não aguentava o álcool.
O homem reconhece vagamente o texto, mas há qualquer coisa que não está bem… A mulher continua.
Ela ajuda a irmã a deitar-se no sofá, é impossível ir mais longe. Tapa-a com uma manta. Despede-se dos pais e sai com o homem. Sentado ao volante, com as veias encharcadas em álcool, o homem não controla o carro. Despistam-se. Embatem num muro. Ela perde os sentidos. Quando volta a si, olha para o homem que não se mexe. Uma ambulância leva-o. No hospital, dizem-lhe que o homem está tetraplégico.
“Claro que ainda não acabei...”, diz ela.
Da casa de banho, segue para a cozinha. Água das Pedras a rodos pela goela abaixo. Melhor.
Na peregrinação pela casa, toca a vez ao escritório, o local do seu calvário. Senta-se em frente ao computador mudo e negro. Liga-o. Quer vomitar palavras azedas no monitor. Bater em cada tecla, em cada inicial dos nomes que detesta até à náusea. Enche páginas de ágrio desdém até se sentir aliviado. Arrota.
No tecto que os seus olhos fitam, começa a desenhar-se a silhueta que se lhe tinha esparramado na vista na noite anterior. As pernas da cunhada. O rabo da cunhada. O decote da cunhada. Através do decote, as mamas da cunhada.
Os dedos agora gulosos, babam, trémulos, toda a extensão do teclado. No disco duro, um tropel de infantilidades de cariz porno-sentimental.
Recosta-se na cadeira e fecha os olhos, abrindo descaradamente a imaginação. “E se tivesse o poder de fazer acontecer o que desejo? E se os acontecimentos tivessem lugar ao mesmo tempo que os escrevo?”. Com as hormonas a latejarem-lhe em todos os pontos sensíveis, começa, desvairadamente, a desenhar no portátil o mapa dos seus desejos.
Inicia no momento em que a cunhada se debruçou sobre ele para servir-se de mais bacalhau com grelos e ele lhe sentiu o cheiro a suor misturado com o perfume. Faz com que ela se sirva de uma dose extra, gozando o odor de cada um dos seus poros. Enche-lhe mais vezes o copo de vinho, para fazê-la esvaziá-lo em seguida. Aproveita para encher também o copo da irmã da cunhada, porque sabe que ela não aguenta o álcool. Atolada em tinto, a mulher não consegue dar nem mais um passo e tem de ficar a passar a noite em casa dos pais. A cunhada tem mais resistência e pode levá-la a casa. Entra. Entra no apartamento, entra na sala, entra no quarto, entra na cama, entra na cunhada.
Sai do escritório directamente para a casa de banho, agarrando o meio das pernas. Abafa a custo um prazenteiro “aaahh!”. Lava as mãos, apaga a luz e deita-se escrupulosamente do seu lado da cama.
Não sabe quantas horas dormiu. A mulher já se levantou. Tenta erguer-se, mas não consegue. Tenta alcançar o relógio para ver as horas, mas o seu esforço é em vão. Verifica, petrificado, que o controlo sobre o seu corpo se encontra circunscrito à sua cabeça. Daí para baixo é tudo um bando de membros insurrectos. Aperta os olhos com força. Fica assim uns bons momentos. Abre-os. Nova tentativa de movimento - gorada. “Porra!”.
Sente o suor frio que lhe brota das raízes dos cabelos. O tempo passa, zombeteiro, sem que nada aconteça.
“Estás acordado?”. Sem esperar pela resposta óbvia, a mulher atira nova pergunta, no mesmo tom distraído: “Queres alguma coisa?”. “Quero!”, grunhe ele, desesperado, “Quero sair daqui!”. “Ah!...”, é a lacónica resposta dela.
A mulher continua no seu vai-vem pelo quarto. Abre e fecha portas. Abre e fecha gavetas. Anda. Pára. Volta a andar. Mexe-se, desenvolta. O homem não aguenta mais. Grita! Uiva! Urra!
“Queres que te leia alguma coisa?”. O homem não consegue identificar a emoção que espreita por trás destas palavras. A mulher sai do quarto por um minuto e retorna com o portátil dele na mão. “Queres ouvir?”. Sem esperar pela resposta do homem, ela começa a ler.
…no momento em que a irmã se debruçou sobre ele para se servir de mais bacalhau com grelos, sentiu-lhe o cheiro a suor misturado com o perfume. Fez com que ela se servisse de uma dose extra, gozando o odor de cada um dos seus poros. Encheu-lhe mais vezes o copo de vinho, para fazê-la esvaziá-lo em seguida, porque sabia que ela não aguentava o álcool.
O homem reconhece vagamente o texto, mas há qualquer coisa que não está bem… A mulher continua.
Ela ajuda a irmã a deitar-se no sofá, é impossível ir mais longe. Tapa-a com uma manta. Despede-se dos pais e sai com o homem. Sentado ao volante, com as veias encharcadas em álcool, o homem não controla o carro. Despistam-se. Embatem num muro. Ela perde os sentidos. Quando volta a si, olha para o homem que não se mexe. Uma ambulância leva-o. No hospital, dizem-lhe que o homem está tetraplégico.
“Claro que ainda não acabei...”, diz ela.
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