segunda-feira, 9 de abril de 2007

O Melga

B. Melgaço era um melga. Quando apanhava uma mulher distraída, colava-se-lhe todo, tornando impossível ignorar o seu mau hálito e o cheiro desprendido das permanentes auréolas de suor nos sovacos.
Aquele hábito nojento de sorver o próprio cuspo no fim de cada frase, afastava até os mais intrépidos ouvidos. Depois eram também as banhas a espreitarem por entre as aberturas da camisa segura no limite dos botões, os cabelos sebosos puxados de orelha a orelha e, a rematar, a unha do dedo mindinho sempre comprida, a causar náuseas só de imaginar-lhe os usos. Não admira, pois, que aos quarenta e um anos ainda não tivesse provado carinhos de fêmea.
Os tostões que poupara na sua higiene, valeram-lhe um razoável pé de meia e, na véspera do seu quadragésimo segundo aniversário, o melga estava disposto a fazer render os seus cobres.
Tinha pegado em todo o seu dinheiro e dividira-o em setenta montes de notas de 20 euros. Setenta, porque as letras do alfabeto são 23 e o pudor do melga não lhe permitiu manter o resultado da sua multiplicação por três.
Depois, percorreu a lista telefónica em busca de setenta nomes femininos. Anotou-os a todos numa folha de papel e começou a ligar para cada um deles.
Propunha a cada mulher com quem falava o envio de um gordo maço de notas em troca de uma noite nos seus lençóis.
Das setenta mulheres a quem ligou, de nenhuma obteve uma resposta inequivocamente afirmativa, mas Melgaço tinha fé nos seus santos ‘euricos’.
Refastelou-se no maple e ligou a televisão no canal que lhe servia de consolo para as noites sem companhia. Perante a perspectiva de poder ter uma mulher aquela noite, começou a ficar entusiasmado com as imagens do ecrã.
Impaciente, não foi capaz de guardar a satisfação para mais tarde, mas a gordura que lhe minava o coração, boicotou-lhe o prazer, e Bruno Melgaço não passou da meia-noite.
No marco de correio em frente de casa, setenta envelopes selados esperavam a chegada aos seus destinos.

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