Era um dia quente do princípio de agosto. No terraço, expunha-me ao sol e à brisa salgada vinda do mar, ali onde desagua o Tejo. Sentia-me bem naquela cadeira de lona, onde sempre estava.
O barbeiro Manuel Marques esperava a sua vez, enquanto o calista Hilário preparava as ferramentas do ofício. Era dia de higiene pessoal lá no Forte. Quando trabalhava o calista, a cadeira de lona rangia estoicamente, mas chegada a vez do barbeiro, sentia-se a preguiça distribuida por toda a cadeira. Era assim.
Naquele dia, António estava distraído, com assuntos sem dúvida importantes. Atirou-se pesadamente para a cadeira de lona e esta, não resistindo ao ímpeto, cedeu. O corpo de António embateu nas lages do terraço. Ouviu-se uma pancada quando a cabeça mediu durezas com a pedra. Inútil querela, já se sabe, nada vence o granito. Barbeiro, calista e demais presentes acorreram a ajudar António, que recuperou a pose digna, tão rápida e convincentemente quanto lho permitiram as dores no corpo. Recusou terminantemente ver um médico, julgando a sua saúde, tal como o seu poder, acima de qualquer revés. Levaram-no para dentro e a cadeira lá ficou esparramada no chão.
Eu estava livre. Talvez tenha ajudado à minha libertação a folga que me haviam dado durante a noite. Fora um vulto negro armado de uma chave de fendas. Chegara-se à cadeira e escolhera-me a mim para ser aliviado da pressão. Por isso no dia seguinte, isentado dos habituais deveres de fixação, fiz cair a cadeira e António sentado nela.
Sim, fui eu. António nunca mais foi o mesmo e, pouco a pouco, outras cadeiras foram caindo, deitando por terra governantes. O último foi Marcelo, obrigado a deixar a sua por homens armados, num dia de abril.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
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